top of page

IECA e BRA devem ser suspensos na suspeita de Coronavírus?


A Pandemia do novo Coronavírus tem deixado o mundo inteiro em grande preocupação, e a comunidade científica internacional à flor da Pele.


Além das muitas "fake news" que aparecem cotidianamente, há um enorme desafio de sermos cautelosos com artigos publicados em revistas médicas sérias, para não tomarmos conclusões precipitadas.


Recentemente viralizou uma informação de que o uso de Inibidores da ECA (Enalapril, Captopril, etc) aumentariam o risco de morte. Até o momento não sabemos se a informação viralizou como boato primeiro nas Redes Sociais ou se foi a partir desta Correspondência enviada por pesquisadores europeus para a Revista Médica The Lancet:


Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection?



Os Pesquisadores detalham que alguns estudos primários reportam uma associação entre casos mais graves da doença com a pré-existência de HAS e Diabetes, nos pacientes estudados. Até aí tudo bem. A polêmica começa quando os autores afirmam:


"Notably, the most frequent comorbidities reported in these three studies of patients with COVID-19 are often treated with angiotensin-converting enzyme (ACE) inhibitors; however, treatment was not assessed in either study."


Os grifos em negrito são nossos.

Percebam o que podemos concluir desta passagem:

1 - As co-morbidades mais frequentes (HAS e DM, por exemplo) são frequentemente tratadas com Inibidores da ECA.

2 - Porém, os estudos não avaliaram qual tratamento os pacientes utilizam!


O que isso quer dizer? Que os estudos não sabem que medicamento os pacientes estudados fazem uso, apesar de serem portadores de HAS e DM, o que provavelmente levaria-os a tomar IECA. Vá acompanhando o fio...


Em seguida os autores reportam que alguns estudos apontam que os Coronavírus ligam-se a suas células-alvo através da enzima conversora de angiotensina no receptor do hospedeiro (ACE2), que se expressa nas células epiteliais dos vasos, pulmão, rins e intestino. E nos pacientes que fazem uso de IECA e BRA (além de Ibuprofeno e tiazolidinodionas) estes receptores já sofreriam a conhecida "up-regulation"aumentando a expressão dos receptores e sua enzima.


O estudo-chave citado pelos autores é este artigo publicado no Jornal de Virologia da Sociedade Americana de Microbologia.


Receptor recognition by novel coronavirus from Wuhan: An analysis based on decade-long structural studies of SARS



Daí, concluem os autores, a expressão aumentada destes receptores poderia facilitar a infecção pelo COVID-19.


É uma hipótese plausível.


Mesmo assim, os próprios autores dizem que se a hipótese for confirmada, entraria em conflito com outros dados existentes que apontam para proteção contra complicações pulmonares severas em animais em uso destas medicações, mas ainda sem estudos em humanos.


Até aí tudo bem, os pesquisadores levantaram uma boa hipótese.


Em minha opinião a confusão se deu por conta da conclusão:


We suggest that patients with cardiac diseases, hypertension, or diabetes, who are treated with ACE2-increasing drugs, are at higher risk for severe COVID-19 infection and, therefore, should be monitored for ACE2-modulating medications, such as ACE inhibitors or ARBs. Based on a PubMed search on Feb 28, 2020, we did not find any evidence to suggest that antihypertensive calcium channel blockers increased ACE2 expression or activity, therefore these could be a suitable alternative treatment in these patients.


Percebam: sugerem que os pacientes que fazem uso destes medicamentos têm risco aumentado de infecção severa pelo COVID-19 e finalizam induzindo o leitor a concluir que, uma vez que os Bloqueadores de Canal de Cálcio não tem relação com a expressão do ACE2 eles seriam mais seguros.


Ora. Se não sabemos o que tomavam os pacientes internados com a nCOVID-19, fica complicado sugerir já de cara que estes medicamentos estejam associados com aumento do risco. No máximo levantar a hipótese, boa hipótese inclusive. Mas e se parte dos pacientes internados e classificados como hipertensos não fazem uso de IECA ou BRA, mas sim de Bloqueadores de Canal de Cálcio ou Diuréticos? Se não sabemos o que eles usam fica impossível cravar esta associação.


Pior ainda, ao meu ver, é induzir o leitor a achar mais seguro trocar desde já os IECA e BRA por BCCs. Eles não afirmam, mas sugerem...


É assim que pensa a Sociedade Européia de Cardiologia, que soltou uma nota em tom forte recomendando fortemente que os pacientes continuem tomando seus IECA e BRA, pois a evidência em torno disso é nenhuma, ainda.


Hypertension on ACE-Inhibitors and Angiotensin Receptor Blockers



Sabemos que no calor de uma epidemia, qualquer hipótese levantada, amplificada pelas redes sociais, podem virar recomendações num piscar de olhos. Mas temos o dever de ser criteriosos com conclusões científicas, sob risco de macular a imagem da própria ciência.


Pelos relatos que temos, vários pacientes europeus suspenderam por conta própria seus medicamentos, o que pode levar a diversos outros riscos, como os desfechos cardiovasculares como AVC, descompensação da Insuficiência Cardíaca e Infarto agudo do Miocárdio.


Num momento de pânico isto não pode de forma alguma acontecer.


Uma nota mais ponderada, e do meu ponto de vista correta, foi publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia:


Infecção pelo Coronavírus 2019 (COVID-19)



Nela, defende-se que na falta de evidências sobre o assunto, os médicos e pacientes devem ponderar riscos e benefícios da suspensão ou não destes medicamentos, e, acrescento eu, Médico de Família, em decisão compartilhada. Com calma, sem açodamento. Até porque se falamos de pacientes portadores de Insuficiência Cardíaca cardíaca com Fração de ejeção reduzida, os bloqueadores de canal de cálcio definitivamente não são uma alternativa aos IECA.



É isto, mesmo no caos, temos que ter o mínimo de prudência e raciocínio científico.


Até a próxima!



Estudos citados na Correspondência ao Lancet:


Clinical characteristics of 140 patients infected with SARS‐CoV‐2 in Wuhan, China


Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China


Clinical course and outcomes of critically ill patients with SARS-CoV-2 pneumonia in Wuhan, China: a single-centered, retrospective, observational study


The vasoprotective axes of the renin-angiotensin system: physiological relevance and therapeutic implications in cardiovascular, hypertensive and kidney diseases.

 
 
 

Comments


  • insta_1_Prancheta 1
  • you_1_Prancheta 1
  • twitter_1_Prancheta 1

2019 ECGnaAPS

bottom of page